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domingo, 22 de outubro de 2017

FRANCISCA DE RIMINI - Por Dante Alighieri

- Sendo, poeta, coisa que me atreva, 
Chamava aqueles dois que além se avistam 
Leves parece como o ar que os leva. 
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Chama-os, que podes; vê quanto eles distam
E falando-lhes tu de um modo terno 
Virão logo que os ventos não resistam.
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Lançando-os perto os furacões do inferno; 
- Falai-me, (brado) oh almas desgraçadas, 
Se não se vos impôs silêncio eterno. 
Duas pombas que o amor sustem ligadas
Não batem mais iguais em voo tão certo
Para o seu ninho as asas compassadas; 
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Não voam mais sutis em céu aberto, 
Que eles da turma onde andava Dido 
Desceram a falar-me de mais perto;
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- Ah, benigno mortal, mortal querido!
Que através desta impura tempestade, 
Visita o crime... coração condoído!
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Se fosse nossa amiga a Divindade
Pedira-lhe que em prêmio a glória santa 
Desse a quem tem de nós tanta piedade! 
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Nós te diremos o que que ouvir te encanta; 
Nós te ouviremos o que a dor te inspira
Enquanto o vento ao ar não nos levanta. 
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A terra onde nasci, por quem suspira
Inda a minha alma, junto ao mar se estende
Nas praias onde o pó descansa e expira. 
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Em peito juvenil fácil acende
Amor a formosura..., mas, que digo? 
Se o que Paulo me faz inda me ofende, 
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De nosso amigo, amor nos faz amigo; 
E amiga tal me fez de quem me abraça, 
Que ainda como vês anda comigo. 
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Um dia, assim unidos, nos trespassa
Ferro de ímpio caim... mão fratricida...
E na garganta a voz se lhe embaraça. 
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E eu inclinando a face humedecida
Largo tempo cismei."Que te amargura?
Diz-me o Poeta em voz estremecida. 
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- Lindos sonhos de pérfida ternura!
Que inefável amor, que íntimo encanto
Se lhes não desfaz todo em desventura! 
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Ah! dize-me Francisca! se este pranto
(pudesse ele adoçar-vos o martírio)
Nasce d'afeto puro, íntimo e santo;
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E como foi? em súbito delírio...
Que amor vos suscitou no peito amante
Desejos que ignora um casto lírio? 
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- S há desgosto maior, mais penetrante
Que contar na desgraça a vida antiga, 
Diga o teu guia, que não está distante. 
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Mas, pois da história triste que nos liga
Te é grato não ter dúvida nenhuma, 
Que pode haver que eu saiba e te não diga? 
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Liamos as passagens de uma em uma
Do amor de Lancelloto namorado, 
Ambos sozinhos sem suspeita alguma. 
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E já mais de uma vez tinha encontrado
Meus olhos nos de Paulo; e a cor perdido, 
Sem chegarmos ao ponto desgraçado. 
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Alcança o amane o beijo apetecido; 
Colhe-o; e nisto Paulo, ansiado e doido,
Paulo, que sempre a mim trarei unido,
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Beija-me a boca, trêmulo de modo
Que nos caiu das mãos no chão o escrito; 
E nós lemos mais no dia todo.
Põe-se a chorar do que me havia dito; 
E ele gemia tanto, que eu absorto 
Pálido, horrorizado, incerto, aflito, 
Caí, tal como cai um corpo morto. 


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